Por Gustavo Roberto Costa, no GGN.
Vinte e dois anos após os espancamentos, as torturas, as humilhações, os roubos – e uma morte – ocorridos na favela Naval, em Diadema.
Sonhos foram destruídos.
Vinte e dois anos passaram-se e o método não mudou: mata-se porque é pobre, porque é negro, porque mora na favela.
Milhares de sonhos são destruídos.
Para a lógica neoliberal, tirânica e sanguinária, não há lugar para todos. Só para quem pode pagar.
Muitos não podem. E sonhos são destruídos.
O dinheiro que deveria instituir um sistema de garantia de direitos sociais é violentamente drenado para o sistema financeiro, um verdadeiro parasita.
Sobra ao pobre submeter-se ao subemprego, aos aplicativos, à venda nos faróis e à esmola.
Ou é isso ou é a fome. Ou o tráfico ilícito. Ou outras atividades ilícitas. Ou a fome. Sobrevive-se na medida do possível.
E os sonhos ficam cada vez mais longe.
A diversão, então, é um direito mais que justo. O encontro com outros jovens. A música. A paquera. As aventuras. Um motivo para alegrar uma vida tão difícil.
E eis que homens – que por algum motivo não percebem que são do mesmo estrato social daqueles que agridem e matam – armam uma arapuca e golpeiam, humilham e torturam (como mostram as imagens).
Repetem, em proporções infinitamente maiores, os “feitos” da favela Naval.
Se os fatos são de outra data é pior ainda – sinal de que acontecem mesmo de forma cotidiana.
E sonhos são destruídos.
Sonhos tinha Dennys Guilherme: “não quero saber de nada, meninas hj o pai vai tá online, vou surfar mais que o Medina”.
E também os tinha Denys Henrique, que estudava e trabalhava com limpeza de estofados.
Seus sonhos foram destruídos.
Foram também os de Gustavo, Marcos, Luara, Gabriel, Eduardo, Bruno e Mateus.
Foram também os dos policiais flagrados pelas câmeras – agressões violentíssimas e gratuitas contra pessoas indefesas não podem partir de quem é feliz. De quem tem sonhos. Provavelmente serão punidos e expulsos, como se o problema fosse individual e não estrutural.
Foram também os de outros milhares, que não são chamados para aproveitar a “melhora do PIB” nem a “queda da taxa de juros”.
Mas serão as principais vítimas da (trágica) enganação chamada “pacote anticrime”.
O Estado é mínimo para a garantia de direitos, mas é máximo para matar e prender.
É mínimo para construir sonhos; é máximo para destruí-los.
Ou destruímos o capitalismo, ou ele nos destrói a todos.
Gustavo Roberto Costa é Promotor de Justiça em São Paulo. Membro fundador do Coletivo Transforma MP e da ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. Associado do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
Foto: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo