Trabalho infantil no Brasil tem cor e sociedade precisa agir, diz procuradora

Integrante do Transforma MP, Elisiane dos Santos, falou ao Sputnik Brasil sobre as raízes escravocratas do trabalho infantil no Brasil.

Do Sputnik Brasil.

Na segunda-feira (25), um evento em São Paulo-SP reuniu especialistas para discutir racismo e trabalho infantil. A Sputnik Brasil entrevistou Elisiane Santos, procuradora do Ministério Público do Trabalho em São Paulo, para analisar a questão.

O debate “Educação Antirracista e o Trabalho Infantil”, realizado pelo Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FPPETI), denunciou dados que mostram que as crianças negras representam 62,7% da mão de obra precoce no país, sendo que no trabalho infantil doméstico, esse índice aumenta para 73,5% – sendo mais de 94% meninas.

A procuradora do MPT em SP, Elisiane Santos, recorda que a relação entre trabalho infantil e racismo data do período da escravidão. Ela explica que essa relação se deve à falta de acesso a direitos básicos pela população negra no Brasil. Um exemplo se deu nas primeiras décadas do século XX com a entrada em massa de trabalhadores europeus no país – estímulo ao branqueamento da população – quando houve um movimento pelo fim da exploração do trabalho infantil que não incluiu as crianças negras.

“Lá em 1927 vem o primeiro código de menores estabelecendo uma idade mínima para o trabalho […] Mas olha que interessante a quem se aplicou essa legislação: a esses trabalhadores, em sua maior parte migrantes, e não à população negra”, aponta a procuradora do MPT-SP em entrevista à Sputnik Brasil.

Confira a entrevista em áudio: https://soundcloud.com/sputnikbrasil/entrevista-com-elisiane-santos

Santos é autora do estudo “Trabalho infantil nas ruas, pobreza e discriminação: crianças invisíveis nos faróis da cidade de São Paulo”, e explica que com a negligência do Estado, sedimentou-se o abandono de crianças negras nas ruas. A legislação aplicada também implementou a criminalização dessas crianças através da chamada lei da vadiagem, um processo de higienização social, segundo a procuradora.

“Já naquela época havia um cenário de trabalho nas ruas de crianças vendendo objetos, fazendo engraxate e outras práticas que a gente vê até hoje”, aponta.

Procuradora do Trabalho Elisiane dos Santos

Combate ao trabalho infantil avançou, mas está sob ameaça

A procuradora Elisiane Santos destaca que o combate ao trabalho infantil no Brasil aumentou a partir da década de 1990. À época, explica a procuradora, o Brasil tinha os maiores níveis de trabalho infantil e escravo do mundo, e implementou medidas combater esse cenário.

“É aí que surge o PETI [Programa de Erradicação do Trabalho Infantil], depois disso na década de 2000, em 2010, vem a surgir o Fórum Nacional de Prevenção ao Trabalho Infantil, a CONATRAE, que é Comissão de Erradicação do Trabalho Escravo, a CONAETI, que era a Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil”, aponta.

Santos explica que essa ação reduziu o contingente de mais de 9 milhões de crianças no trabalho infantil para um índice de 2,6 milhões, em 2015 – um número ainda “assustador”, segundo Elisiane. Apesar dos avanços, a procuradora acredita que essa política está ameaçada.

“Lamentavelmente nós temos o que hoje? Um cenário de desconstrução de todas essas políticas”, diz.

Recorde de trabalho informal amplia risco para crianças negras

Segundo publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em outubro, o Brasil tem hoje 38,8 milhões de trabalhadores informais, que somam 41,4% do total da força de trabalho do país. Além disso, o número de miseráveis no Brasil também cresceu e chegou a 13,5 milhões.

A procuradora explica, com base em um levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a pedido do Ministério Público do Trabalho, que há relação direta entre trabalho informal e pobreza com a incidência do trabalho infantil. O levantamento e é baseado na Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), no Dieese.

“Essa pesquisa identifica que nas famílias onde os responsáveis financeiros não têm proteção social, a incidência de trabalho infantil é muito maior do que nas famílias de trabalhadores com direitos garantidos”, aponta, acrescentando que o trabalho informal tem maioria negra no Brasil.

Para além do Estado, a sociedade precisa se mobilizar

A procuradora Elisiane Santos afirma que para a ação do Ministério Público do Trabalho é necessário que as denúncias de trabalho infantil sejam realizadas e que tenham canais prontos nos municípios.

“É muito complexo agora o nosso trabalho porque nós temos esse viés de atuação de intervenção em face de políticas públicas e quando os municípios não têm esse recurso ou outros mecanismos isso se torna mais ineficaz”, avalia.

Além disso, ela aponta que convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização das Nações Unidas (ONU) podem também ser acionadas para o combate ao trabalho infantil.

Para além dos órgãos internacionais e programas de Estado é necessário, segundo a procuradora, a ação e conscientização da sociedade no combate ao trabalho infantil e às suas causas, como a falta de proteção social.

“É um grande desafio da sociedade hoje estar consciente dessas questões e de todos os prejuízos, todo o retrocesso que está se vivenciando, hoje, em relação à retirada de direitos trabalhistas, em relação à retirada de proteção social dos trabalhadores”, conclui.

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