O apogeu do Estado penal: do “prende primeiro e pergunta depois” ao “mata primeiro e, talvez, identifica depois”

Segundo Nadine Borges, da OAB-RJ, antes, a ação das agências policiais era associada ao “prende primeiro e pergunta depois”, agora, é associada ao “mata primeiro e, talvez, identifica depois”.

Especialistas debateram, no último dia 19 de setembro, no Rio de Janeiro, o avanço do estado punitivista no Brasil. O evento “O apogeu do estado penal” foi realizado na sede da OAB-RJ, e teve organização da OAB-RJ, Policiais Antifascismo, AJD e Transforma MP.

Na Mesa de abertura, a promotora do MPRJ, Érika Puppim, integrante do Transforma MP, ressaltou a importância da atuação do Ministério Público na busca pela transformação social, para além de uma instituição policialesca ou simplesmente fiscalizadora.

Na primeira Mesa de debates, Nadine Borges, da OAB-RJ, falou do uso político do sistema de justiça no fortalecimento do Estado penal, no desaparecimento, na execução extrajudicial e no encarceramento em massa. Segundo Nadine, antes, a ação das agências policiais era associada ao “prende primeiro e pergunta depois”, agora, é associada ao “mata primeiro e, talvez, identifica depois”.

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O Coronel aposentado Ibis da Silva, do Movimento Policiais Antifascismo, relacionou o período de redemocratização do Brasil ao avanço do capitalismo no mundo. Segundo ele, a Constituição Federal foi promulgada quando as baterias do capitalismo, recém-tornado hegemônico, começavam a se voltar contra os regimes democráticos. Nas palavras do palestrante, “com a queda do muro, o sistema capitalista tornou-se absolutamente anti-humanista”, a ponto de, atualmente, em 2019, cerca de 1% da população ter a mesma riqueza das outras 99%. Nesse cenário, afirmou, “não há como ter democracia”.

Já a juíza Kenarik Boujikian, representante da AJD, alertou que o “Estado de bem-estar social está sendo substituído pelo de controle prisional”, cujo público-alvo é aquele que se encontra abaixo do nível de dignidade. Kenarik também criticou o fato de o Judiciário, pretensamente, querer “ouvir a voz das ruas”. Para ela, isso não tem nada a ver com democracia, e “o Judiciário tem que julgar com base na Constituição Federal e nas leis”.

Na avaliação do juiz de direito Marcelo Semer, da AJD, que participou da Mesa 2, “ainda não alcançamos o apogeu do Estado penal”, mas é grave o cenário atual em que juízes, muitas vezes, atuam como policiais de toga”, legitimando práticas policiais baseadas nas prisões em flagrante, de “jovens, negros e pobres”, deixando de concentrar “esforços nos grandes traficantes”.

A advogada de segurança pública, Caroline Bispo, que atua no complexo de favelas da Maré, traçou um triste diagnóstico: o de que o Estado de direito não chega às comunidades. “As pessoas que lá vivem só deixam de ser invisíveis no encarceramento e no homicídio”, afirmou.

Para Denilson Campos, do Movimento Policiais Antifascismo, “é preciso um projeto de segurança pública popular, baseado em uma política de segurança pública que não seja a extensão da atuação policial.

Já para Jacson Zilio, também do Transforma MP, “temos um direito penal autoritário, que sofre um processo de erosão”, cujos princípios, notadamente o da legalidade, da culpabilidade e da proporcionalidade, estão sendo atacados.

Com base na doutrina do direito alemão, e em referência à ampliação das hipóteses de legítima defesa sugeridas pelo atual ministro da Justiça no seu pacote ‘anticrime, Thiago Joffily, convidado do Transforma MP, lembrou que, para Claus Roxin, não são passíveis de legítima defesa bens jurídicos coletivos, mas tão somente bens jurídicos individuais.

Segundo Thiago, até mesmo para o teórico do direito penal do inimigo, Günther Jakobs, os crimes de perigo abstrato não admitem ação em legítima defesa. Joffily também trouxe para o debate a biopolítica de Michel Foucault e a necropolítica de Achille Mbembe, quando descreveu o que chama de “política criminal zumbi”, em que os “zumbis” podem ser mortos sem que isso seja considerado homicídio. Em outras palavras, é a política do abate, tão propagandeada atualmente em solo brasileiro por algumas autoridades que deveriam prezar pelo Estado democrático de direito. “Antes, havia uma manipulação dos fatos para enquadrá-los ao direito. Agora, nega-se explicitamente o direito para justificar os fatos”, disse Joffily.

Orlando Zaccone, do Movimento Policiais Antifascismo, exaltou o trabalho em conjunto dos movimentos presentes no evento, ressaltando que é “incorreto falar de um Estado policial”, uma vez que isso jogaria todo o peso das ilegalidades praticadas pelo Estado brasileiro nas costas das agências policiais. Para ele, o “estado penal opera dentro do direito”

Por fim, Zaccone defendeu a necessidade de diálogo dentro das instituições, com o objetivo de enfrentar as dificuldades que se apresentam no dia a dia das carreiras.


Imagem: Estadão Conteúdo

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