MP denuncia Estado de SP por alta letalidade policial e racismo institucional

Ação da Promotoria de Direitos Humanos considera que o estado é ineficiente para evitar mortes envolvendo policiais: ‘um jovem negro correrá riscos muito maiores de ser morto por um policial do que um jovem branco’; reportagens da Ponte são citadas no documento

Publicado na Ponte Jornalismo.

O Estado de São Paulo é incompetente para controlar a letalidade policial, sobretudo contra a população jovem e negra, o que caracteriza racismo institucional, e, por isso, deve ser condenado pela Justiça. Esse é o resumo de ação civil feita pelo MP (Ministério Público) de São Paulo, nesta terça-feira (21/5), contra o governo do estado, cujo aparato de segurança pública é caracterizado pela “gritante ineficiência”.

A Promotoria de Direitos Humanos assina o documento (que pode ser acessado aqui), elaborado pelos promotores Eduardo Ferreira Valério e Bruno Orsini Simonetti, com o objetivo de que o Judiciário exija “adoção de providências que garantam que a prestação do serviço público de segurança pública seja minimamente eficiente”. Argumentam que a política de segurança paulista atenta contra itens nos artigos 5º e 37º da Constituição Federal e artigos da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

Para tal, elencam à Vara da Fazenda Pública 37 pontos em que SP deve ser obrigado a mudar na atuação de sua política de segurança. Como sustentação, apresentam dados do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e de reportagens, como uma da Ponte que trata de recordes de letalidade policial em 2015 e neste ano, com a ação policial com 11 mortos em Guararema, cidade na Grande São Paulo.

O arquivo destaca o total de mortes cometidas por policiais em anos recentes, como os 940 homicídios de 2017, período com maior patamar em números oficiais desde 1996), quando a SSP (Secretaria da Segurança Pública) de SP passou a contabilizar as mortes cometidas por policiais.

São Paulo vive cenário de aumento na letalidade. O primeiro trimestre de 2019 apresentou crescimento de mortes praticadas por policiais sob o comando do governador João Doria (PSDB): 213 pessoas entre janeiro e março, contra 197 casos no mesmo período do ano anterior.

“No Estado de São Paulo, em 2016, 4.925 pessoas morreram. Dessas, 856 foram mortas pelas polícias e 80 eram policiais. Ou seja, na prestação de um serviço público essencial, no ano de 2016, 936 pessoas foram a óbito”, discorrem Valério e Simonetti. “Se para manter certa ordem pública é preciso que morram policiais e não policiais em grande quantidade, é de inquestionável clareza que tal aparato de segurança pública caracteriza-se pela gritante ineficiência”, argumentam.

Majoritariamente, as vítimas são homens (99%), entre 12 e 29 anos (82%) e negros (76%), conforme dados do FBSP, números que destacam o “racismo institucional” na atuação das polícias paulistas, segundo o MP. Para o órgão, é necessário dar ênfase à questão racial no enfrentamento do “grave problema da letalidade”.

Os promotores também destacam a prática da abordagem sob o argumento de “fundada suspeita”. “Um jovem negro será submetido a revistas pessoais imotivadas por policiais nas vias públicas com periodicidade escandalosamente superior a um jovem branco”, justificam os promotores. “E, com ampliada gravidade: correrá riscos muito maiores de ser morto por um policial do que um jovem branco, como demonstram os estudos acima lembrados”, complementam.

O órgão considera que os erros que decorrem no acentuado índice de letalidade vão desde a falta de equipamentos de localização, escuta e gravação em viaturas da Polícia Militar até a falta de transparência sobre os dados de MDIP (Morte Decorrente de Intervenção Policial), impossibilitando que organismos, como o próprio MP e a Ouvidoria das Polícias, controlem externamente a atividade policial, entre outras falhas.

“O dever da corporação policial é minimizar o risco à vida, não apenas de terceiros, mas também daquele que eventualmente esteja cometendo um delito. Isso porque cabe à polícia eliminar a resistência e não a pessoa que resiste, pois esta, mesmo que tenha cometido um ato punível, por óbvio, tem direito à vida e ao devido processo legal”, sustentam os promotores.

As questões fazem parte de oito pontos centrais em que o MP cobra a condenação do governo paulista: obrigação estatal de enfrentamento do problema e adoção de solução eficiente; garantia de transparência e do controle da atividade policial; mudança na formação e na capacitação dos policiais; medidas de proteção aos policiais; promoção de atendimento médico e psicológico às vítimas da violência policial; responsabilização de agentes policiais; providências destinadas à prevenção da letalidade policial; provisão orçamentária necessária e suficiente.

“São necessárias modificações estruturais, no âmbito do serviço público policial, destinadas a eliminar ou reduzir as hipóteses de excessos ou condutas ilícitas, que aperfeiçoem ou superem a imperfeição na prestação desse serviço”, explica a Promotoria de Direitos Humanos.

Foto: UOL

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